domingo, abril 02, 2006

A POESIA DO HIP-HOP

Se, nos Estados Unidos da América, o Hip-hop se tornou num gigantesco universo de tiques e de lugares comuns, ideias feitas para palavras feitas entoadas numa música feita, que soa, aliás, como se fosse precisamente sempre a mesma, e se os «clips» não se distinguem quase uns dos outros (os mesmos negros com os mesmos gestos e as mesmas coreografias, as mesmas roupas nos homens e a mesma falta de roupa nas mulheres), em Portugal, por um curioso fenómeno, passa-se o contrário disto.

Talvez porque a referência mtv seja fortíssima, mas também porque há, no hip-hop, uma indesmentível carga de «música negra contemporânea» e porque não são necessários instrumentos dispendiosos (o hip-hop vive muito da voz e dos passos), vários jovens, vários grupos de jovens formam, em Portugal, bandas de música: são negros, imigrantes cabo-verdeanos ou angolanos, tiveram na vida, certamente, as dificuldades que todos os imigrados, mesmo de 2ª ou 3ª geração conhecem (na escola, com a língua, profissionalmente) e vêem neste género de música um potente instrumento para denunciarem o que os faz sofrer, cantarem as suas histórias pessoais, darem-se a conhecer, progredirem a todos os níveis.

E é curioso, porque não sendo o hip-hop expressão da cultura própria, mas um género globalizado, torna-se, nas suas vozes, num revelador da sua verdade mais profunda e numa forma em que se realizam e definem, eles que, se pensarmos bem, não se reconheciam já na cultura dos seus pais, nem inteiramente na do país que os recebe nem, afinal, em nenhuma outra.
A poesia que criam é a das suas histórias pessoais, sofridas, e é, nessa medida, sempre em parte concreta, ligada aos episódios do dia-a-dia suburbano mas, ao mesmo tempo (oiçam-nos bem!), torna-se um esplêndido veículo de assimilação do que poderia ser visto como a cultura do opressor: eles aprendem um português fluente, compreendem que só o conhecimento os libertará, tornam-se filósofos, vão para além do senso comum desse seu quotidiano de jovens, procuram romper horizontes culturais e cognitivos.
Está tudo lá.
Comecei a ouvir um ou outro grupo, aqui ou ali, por mero acaso, mas cada vez mais atentamente, e vou seguindo com um ouvido desperto.
Experimentem fazê-lo.

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