quarta-feira, novembro 30, 2011

MORAL

Desde pelo menos Nietzsche que aquilo que se segue não é novo.
Mas formulo-o à minha maneira:
O "dever" manda sempre que tente manter em vigor as condições da minha infelicidade.
Por alguma razão, a simples ideia de romper com a infelicidade soa-me imoral.

quinta-feira, novembro 24, 2011

EGOISMO

Detesto com todas as minhas forças aquelas pessoas que me contam a vida toda mal as conheço.
Deixam-me tão pouco espaço para falar de mim...!

EU SEI QUE PERGUNTAR OFENDE

Do ponto de vista do Novo Acordo Ortográfico, se eu quiser ser um "Objector de Consciência do Acordo", deverei escrever que sou um "objector de consciência", ou passarei a ser, para todos os efeitos, um "objetor de consciência"?

segunda-feira, novembro 21, 2011

Primo António, do longínquo Kwait, vai seguindo os meus blogues e queixa-se, no telefonema (diário? semanal?) à sua mãe, de que eu mergulhei num silêncio que o entristece. Deixo os blogues como pasto de ervas ruins e teias de aranha.

Em outro blogue, enuncio 3 ou 4 razões para o silêncio.

A não-enunciada é que o meu romance tinha uma editora interessada, e deixou de tê-la. Sou um homem de azar: no momento em que, por uma vez na vida, estou quase, quase, quase a ser publicado, percebe-se que estamos em crise e os amantes desatam a fazer contas. Não há lugar para o amor - nem sequer o amor aos livros. Editar um tipo desconhecido? Sem garantias nenhumas de sucesso? Não dá, não dá.

Há, por detrás disto, uma história rocambolesca: seria, inicialmente, publicado por uma senhora que, tendo-se divorciado, criou a sua própria chancela, levemente à parte da editora-mãe, que fundara com o ex-marido. Mas mesmo assim, cansou-se - e ofereceu a chancela ao dito.

O sobre-dito dito é, parece, um grande editor. Leu o meu livro e adorou. Fala-me em como o agarrou e emocionou; fala-me da minha "escrita elegante"; e, para que não pensem que se trata só de uma resposta delicada, acrescenta que o fim o desiludiu. Mas que é uma grande obra. Conclusão: gostava de a publicar mas não sabe se pode. (A crise. Os cortes).

Eu pus-me a milhas. Orgulhoso e arrogante como sou, prefiro tornar a vestir o traje de mendigo, pôr o livrinho sob o braço e partir a bater a novas portas. Esperar pela decisão ulterior de um senhor que "gostava mas não sabe se pode", isso não.

O meu irmão já me disse que fiz muito mal. É a vida.

quarta-feira, outubro 26, 2011

UM HOMEM E UMA MULHER OU O SIMPLES PRAZER DE CRIAR UMA SINOPSE

Lisboa, anos 50.
Lopes era um homem sem metafísica [poderia ter-lhe até chamado Esteves, se não fosse o desacerto da época] nem, aparentemente, sonhos de espécie alguma. A sua opacidade é notória: veste sempre o mesmo fato escuro e gravata e entra todas as manhãs, muito franzino e adunco, num café onde pequeno-almoça ao balcão. A sua mulher, a quem nada pede e de quem nada espera para além dos gestos habituais e de uma relação de rotina, chega ao café uns minutos depois dele. Ela passara entretanto pela papelaria, onde tinha ido buscar um jornal desportivo, que lhe estende e ele lê, sem emoção. Manhã após manhã vemo-los pois entrar, primeiro ele - magro, igual a si ao longo dos anos - e a seguir ela, engordando e tornando-se mais feia e desarranjada.

Uma tarde, Lopes não regressa a casa após um dia de trabalho burocrático. E a aflição da mulher não resolve esta ausência. Procura-se o homem por toda a parte. Ninguém tem ideia de investigar em prisões. [A que propósito estaria o Lopes numa prisão?] Nem o Lopes tinha propriamente «amigos» que pudessem acolhê-lo: apenas colegas. Em contrapartida, da única vizinha que tem telefone, a senhora Lopes faz, muito chorosa, inúmeros telefonemas para hospitais. Teria sofrido um acidente? Tido algum ataque maléfico? Para onde pode desaparecer um homem assim? [Assaltado? Em pleno dia? Na Lisboa dos 50?] Dão-no como morto, ao fim de meses de buscas infrutíferas.

Cinco anos mais tarde, uma outra vizinha, de visita a uns filhos em Moçambique, garante ter encontrado o Lopes. Mas, de certa forma, um "outro" Lopes: marido de uma mulata, pai de três filhos (dois rapazes gémeos, com dois anos, e um bebé de meses); joga [conta-se que perdeu e refez fortunas, em poucos dias], caça feras, em aventuras que narra em grupos de senhoras, entre gargalhadas, sempre de uísque na mão; conta anedotas apimentadas, veste-se de caçador (ou de smoking), como numa perpétua mascarada. Chamam-lhe Dias. A vizinha muda várias vezes de opinião. Será, este Dias, o Lopes que ela conheceu? Poderá tratar-se realmente do mesmo homem?

sábado, outubro 15, 2011

A DIFICULDADE INESPERADA DAS DISCIPLINAS FÁCEIS

Há um equívoco de que alguns Encarregados de Educação podem ser vítimas. Previno-os, embora para mim seja já demasiado tarde: fui um dos Encarregados de Educação que se deixaram enganar.

A questão é sempre a mesma. Pensa-se que ao escolher certas disciplinas, aparentemente mais fáceis, se ajuda o respectivo encarregando a ter uma nota razoável e, portanto, a melhorar a média. O problema é que, geralmente, as disciplinas "fáceis" são as que são leccionadas por professores complexados. Os quais levaram anos odiando, primeiramente, o facto de as suas disciplinas serem consideradas "fáceis"; e que se dedicam, quando conseguem, a torná-las mais "rigorosas", "exigentes" e "difíceis" do que as demais.

Isso já acontecia com Educação Física. [Ginástica, no meu tempo]. Cansados de serem professores menores, aqueles a que ninguém ligava nas salas de professores, com os seus fatos de treino e os apitos ao peito, aproveitaram conscienciosamente o facto de a Educação Física ter passado a ser levada a sério, contando para reprovação. Desde aí, alunos de óculos, autênticos ratos de biblioteca, cromos completos, com laboratórios de Física e Química montados no quarto, onde, secretamente, podem ter inventado o meio de viajar no tempo, vêem, apesar de 20 em tudo o mais, a sua média comprometida pelo professor de Educação Física. Um tipo, nos tempos que correm, com doutoramento na Universidade do Mourinho. Que abre calhamaços cheios de gráficos que indicam precisamente por que o brilhante aluno de Ciências não pode ter mais do que 10 a Educação Física...

Sucede o mesmo com o Espanhol. Dios! Não poderia ter optado por Francês, uma língua culta (apesar de já não ser bem o que era...?) Não podia ter optado por Literatura Portuguesa? Por que raio me passou pela cabeça de que todos os portugueses são bons em Espanhol? Que se o meu filho aprendesse a dizer correctamente «Los caramelos de Badajoz son muy buenos» fazia a disciplina com uma classificação elevada?

Apanhou pela frente um professor arrogante e intransigente, que se deliciava a ouvir os alunos [para treinarem a pronúncia castelhana], lendo, em voz alta, páginas da sua dissertação de doutoramento [não sei em quê]; que se ofendia com desvios na acentuação e lhes exigia respostas sem erros em testes que eu próprio não entendia.

Não quero desmerecer a Educação Física (até porque tenho pânico de que um professor de EF leia este post) nem a língua do país onde foi criado o sublime D. Quijote. Mas caramba - têm de ser mais rigorosos e mais sérios do que todos os outros - a Matemática, a Física e Química, a Literatura...?

quinta-feira, setembro 29, 2011

aforismos kaosticos

Faz tanto sentido dizer que a saúde é um direito, como dizer que a morte é um dever.

MANUAL DE INSTRUÇÃO DAS FADINHAS

1. Muitas meninas pequeninas são fadas e não sabem. As suas asas permanecem invisíveis: só conseguem vê-las pessoas boas - e nem todas as pessoas boas, mas as que crêem em fadas.
2. É-se uma pequenina fada até aos dez anos de idade.
3. Certas meninas poderão continuar fadas, mesmo depois dos dez anos: é necessário que a lua as escolha.
4. As meninas que queiram continuar fadas para sempre deverão aprender a prestar atenção à lua. E dizer-lhe, todas as noites: «Lua, eu gostava de ser uma fada para sempre. Não te posso obrigar, mas por favor, repara em mim, por favor, escolhe-me».
5. As meninas-fada têm de ter muito cuidado com as asas, à noite, quando se deitam. Para isso, bebam três golos de água antes de entrarem para a cama: magicamente, as asas desaparecem durante o sono.
6. As meninas-fada nunca poderão usar os seus poderes para fazer mal. O bem é o seu caminho.
7. Fadas não se dão bem com abelhas - ninguém sabe a razão, mas uma lenda afirma que as abelhas invejam as asas das meninas, mais bonitas e mais brilhantes.

domingo, setembro 04, 2011

10 MANDAMENTOS DO ASPIRANTE A ESCRITOR

1. Não esperes demasiado dos amigos de que seria lógico esperar algo. [A colega que conhece «demi-monde» e divulgará a tua obra, a parente de um próximo, que se dá com escritores famosos, e promete mostrar-lhes o teu trabalho, o jovem que te fará uma entrevista decisiva: verás que, no momento em que precisas, têm mais em que pensar].

2. Mantém-te atento a todos os de que nada esperarias: subitamente, um deles poderá ser, para a tua obra, a mão eficaz do destino.

3. Nunca te sentes aguardando que uma editora acabe dando por ti: acredita, as editoras têm gente muito estúpida à sua frente. Em geral.

4. Junta dinheiro. Faz um pé-de-meia. Publica à tua custa: esse deve ser o início.

5. Aprende a usar as novas tecnologias: blogues, facebook, sites: gratuitos e chegando longe e a muitos.

6. Persiste. Não consegues ao fim de dez anos? E que são dez anos? Ou vinte? Ou trinta? Um dia, hás-de conseguir.

7. Ou não. Quem sabe? Mas confia em que água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.

8. Quando espreitar uma ligeira oportunidade, crava nela os dentes. As ligeiras oportunidades - seja uma editora marginal, seja uma proposta modesta - serão, a prazo, porventura, a maior das oportunidades.

9. Não reajas mal às sugestões de quem te leu. À opinião de um amigo ou à de uma editora. Afinal, não é para ti próprio que escreves. Ouve, sonda, aprende com as primeiras leituras.

10. Mas descobre e estabelece a tua fronteira. Afinal, és tu o escritor. Decide qual é, no que escreves, o teu ponto de absoluta não-cedência. E mantém-te fiel a ele.

quarta-feira, agosto 24, 2011

Pergunta ao Lado

Duda, meu filho já de dezasseis anos [como o tempo passa..!] pergunta-me se acho que ele está preparado para a sua primeira experiência sexual.
Meu filho errou totalmente a questão.
Haveria que me perguntar mas era isto:
«Pai, achas que tu estás preparado para que eu tenha a minha primeira experiência sexual?!»

após contar 3 míseros "gosto" num texto absolutamente genial

o parco número de "gostos" que merecem os meus textos mais brilhantes no facebook ilustra bem a frase de cristo: «muitos são os chamados, mas poucos os eleitos»

terça-feira, agosto 23, 2011

não sei se pode chamar-se-lhe teimosia...

Daisy faz tudo o que a mãe diz - mas, em geral, só quando está com o pai; e faz tudo o que o pai diz, mas nunca quando está com este, e sim quando está com a mãe.

Mãe e pai de Daisy são suficientemente diferentes um do outro para que isso seja, por vezes, muito complicado...

terça-feira, agosto 16, 2011

sim, bem sei

Citando Millôr Fernandes, um cara absolutamente genial:

«Quando um político grita que outro político engana o povo, você preste atenção: é impossível ele ocultar completamente um leve traço de inveja»

domingo, agosto 14, 2011

a importância dos pormenores

Suponho que nunca antes se pensou nisto.
Eu sei que a cor vermelha não é a verdadeira causa da reacção dos touros. Mas não está provado que não seja provocadora de lobos.

Por que raio é que uma menina que quer passar despercebida ao lobo da floresta, levando o lanche à sua avozinha, sozinha, por aqueles caminhos perigosos, haveria de se vestir com um capuchinho Vermelho!? E logo vermelho, uma cor de tão eróticas conotações. Que pouca-vergonha!

A menina era menor? Então e a mãe? Não queria saber de nada disso, mandou-a dali para fora [se calhar para receber um homem em casa], não controlava o que a filha vestia, e, depois, que esperava...?

Há outra coisa que a história não revela explicitamente, mas é fácil reduzir a duas possibilidades.

Uma avó não pode ser confundida com um lobo mau. A não ser que:
a) a menina fosse mais do que míope, quase cega,
ou
b) a avó fosse muito feia (e peluda...)

Não me agradeçam. Fico satisfeito por ter podido lançar uma nova luz sobre pormenores que, pelos vistos, preferem esconder-nos

segunda-feira, agosto 08, 2011

aforismos kaosticos e patéticos... se não patetas...!

sinto que ontem encontrei a metáfora exacta para a vacuidade da vida: estava a tentar varrer as folhas do chão, num quintal ventoso...

quarta-feira, agosto 03, 2011

ANTÓNIO JOSÉ SEGURO: UMA BIOGRAFIA EXAUSTIVA

Não sei por que razão se tem especializado o PS em dar tiros no pé.
Ao princípio, foi Sócrates. E digo bem: «ao princípio», porque o líder se encarregou de fazer tábua rasa de todo o passado do partido, sobretudo no que, nesse passado, cheirava a esquerda.
Sócrates foi, portanto, como um novo princípio do partido - princípio que, por sinal, era quase o fim do PS.

Neste segundo momento, enquanto Sócrates foi um instantinho a Paris estudar o antigo Sócrates, o partido teve de se decidir entre duas figuras bizarras: Francisco de Assis seria a «continuidade»: em muito mais feio, sempre com a barba por fazer e um horroroso tique no ombro. Despacharam-no, ainda bem.

Restava Seguro. Lamento que o PS fosse, no fundo, chamado a escolher o mal menor. Porque há que não esquecer: o mal menor é sempre, e apesar de tudo, um mal.
Seguro é um «apparatchick». Nunca deu aulas, nem lavou pratos, nem se dedicou ao jornalismo. Não creio que, na adolescência, tenha participado, ao menos, em «trabalho de férias para jovens». Suponho que nunca estudou. Enfiou-se na Juventude do PS e, adequando-se rapidamente às estruturas do aparelho, lá foi percorrendo o seu caminho, vagarosa e prudentemente, sem arremedos nem fantasia, sem riscos nem coragem, sem palavras que se lhe notassem. Esperando, só. Esperando que se chegasse a um ponto em que já não sobejasse mais ninguém para ser escolhido. Faz lembrar um pouco o Pacheco, aquela adorável figura de Eça de Queirós, que de tal modo se mantinha silencioso, que foi gerando, em torno de si, expectativas que o guindavam sempre para mais alto. Pacheco tinha uma testa que falava por si. «É a testa de um pensador!»; Seguro tem aqueles olhos de cão magoado. E, precisamente, fala de afectos e de mudança. Tem tudo para ser um líder vitorioso: sobretudo, a mais total e absoluta ausência de ideias.

A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL ANTES DE ESTAR NA MODA

Há séculos, antes, portanto, de se inventar a designação «inteligência emocional», e de se lhe ter definido uma área fundamental no universo da psicologia, e de se terem desatado a escrever tratados acerca da questão, o velho Kant já tinha esgotado o assunto. Para ele não se tratava de um problema «psicológico» nem «emocional», mas de um problema «moral»: sintetizou-o num desígnio, sob uma fórmula simples, que cito de memória: «saber sempre colocar-se no lugar do outro».

terça-feira, agosto 02, 2011

e quando a pior das hipóteses, a que não se prevê, é que se realiza?

Passo estes dias sozinho em casa com meu filho.
Entretanto, meu primo esteve em Portugal para umas curtas férias. Combinámos que ele e a irmã iam, à noite, chez moi tomar um copo.
Como sou um péssimo cozinheiro e ando com o dinheiro contado, gaguejei ao telemóvel que viessem jantados - numa tremenda prova da má-educação a que o desespero pode levar as pessoas. [Não conseguia imaginar-me cozinhando uma refeição aceitável para receber convidados, nem podia gastar demasiado em comida feita: como raio chega um tipo aos cinquenta e tal anos sabendo pouco mais do que grelhar um ovo, se é o que se faz ao ovo...?]
Ficou claro entre nós: «Vamos então para uns copos», serenou-me ele.
Fui com o meu filho ao supermercado comprar umas coizecas para nós dois: um par de espetadas para cada um, que acompanharíamos despretensiosamente com batatas fritas de pacote. [E que pai alimenta assim o filho pelo qual fica responsável?]

Mas a história não conclui aqui.
A minha tia refaz-se de uma operação. Primo e mana visitaram-na, falaram-lhe acerca da combinação feita comigo. Ela não terá percebido bem os pormenores. Quis facilitar-me certamente a vida: telefonou para dizer que, então, o meu primo levaria qualquer coisa para comermos em minha casa. Pareceu-me uma complicação [comida a derramar-se durante a viagem deles, carro ficando com cheiro de alimentos...]
Disse-lhe que não, que eu e Duarte já estávamos a tratar das compras, íamos só tasquinhar, primo & prima que se desenrascassem e aparecessem, como inicialmente planeado, «só para uns copos».

Eis o fim da história: os primos chegam a minha casa pouco depois, cheios de fome, para jantar e sem trazer nada. Porque, para complicar, o que a tia compreendera é que eu estava já a tratar das compras. E disse ela ao meu primo: «Não compres nada, que o rapaz até fica ofendido, diz que está já a tratar de compras. Deve estar a preparar-vos cá um jantar...»
«Mas ele tinha dito que não havia jantar...»
«Ai, isso não sei. Se calhar mudou de ideias.»
«Mas então, nem levo uma garrafa de vinho?»
«Nada, nada, coitado. Ele quer preparar tudo...»

Inútil acrescentar que, quando os primos chegaram, impulsionados pela fome e uma certa curiosidade relativamente ao que lhes «ia preparar», meu filho e eu já tínhamos devorado as espetadas - e as espetadas eram rigorosamente tudo o que havia em casa para comer...

LÍNGUAS DE BACALHAU

Eu nem sequer sabia que o bacalhau tivesse língua. Para quê? Ele fala? Lambe?
Mas de uma conversa que tive, há dias, com um género de especialista, retirei a ideia de que há um petisco verdadeiramente sublime: línguas de bacalhau!

Curiosamente, segundo o meu primo - a quem, depois, quis convencer da magnificência deste prato - criei uma estranha mitologia em torno das ditas «línguas». Como o especialista me dissesse que se tratava de um alimento excessivamente gordo, brutal para o fígado, e que ele próprio adorava mas evitava, não comendo senão uma ou duas vezes por ano, a ideia que eu construí foi a de que seria um pitéu altamente perigoso.

Um prato único, mas com um terrível poder bélico. De provar e de fugir. De comer uma vez na vida, como se nenhuma vida pudesse considerar-se completa sem essa experiência, mas tendo o cuidado de se não ganhar o vício, nem sequer o hábito, sob pena de perder de uma vez a referida vida.

E, portanto, guardo-me para esse momento. A medo. Tentando ser digno dele, rezando para que me não mate. Um dia provarei as línguas de bacalhau. E depois, poderei morrer - mas espero que não logo, e espero que não disso...

segunda-feira, julho 18, 2011

PIKATCHU!?

Minha filha está numa idade curiosa, em que ouve tudo, tudo absorve - e nada compreende, mas reproduz o que ouviu com a maior das naturalidades. Os resultados são imprevisíveis.
Hoje à noite, quando tentava adormecê-la, perguntou-me:
«Pai, o Pikatchu não evoluiu, pois não?»
Não sei sequer se "Pikatchu" se escreve assim.
Como imaginam, nem percebo esta pergunta, quanto mais ser capaz de uma resposta.
Alguém me diz se o Pikatchu evoluiu, se não?
Alguém me diz, pelo menos, quem é o Pikatchu?

quinta-feira, junho 30, 2011

DE ANTI-EDUQUÊS A MINISTRO DA EDUCAÇÃO

Em teoria, não há nada de absolutamente disparatado no pensamento de Nuno Crato acerca dos exames.
Em teoria significa: se abstrairmos dos detalhes; se nos colocarmos num mundo puro, de formas platónicas.
O que ele diz é, afinal, isto: os exames são uma entidade externa, a única, aliás, capaz de avaliar friamente os alunos; sem se deixar condoer pelos seus olhos meigos, ou tristes, nem por situações familiares adversas de onde provenham. Ou o aluno sabe, ou o aluno não aprendeu - independentemente da morte dos familiares e independentemente, até, das suas «atitudes».
O corolário desta teoria seria, por sua vez, que os professores devem ser avaliados consoante os resultados dos seus alunos nos exames.
Platonicamente, tudo isto faz sentido.
Se começarmos a introduzir palhinhas e pedrinhas, ou seja, se principiarmos a introduzir a realidade, o sistema falha.

Em primeiro lugar, porque não considera o progresso do aluno. Isto é «eduquês»? Não creio. A palavra "progressão" é suspeita, por isso mesmo a evitei. O meu argumento é elementar. Se um aluno começa por "níveis" (níveis: outra cedência, perdoem-ma) muito baixos, digamos, cinco ou seis, e, porque se dedica e trabalha (evito "empenha"), melhora significativamente, suponhamos que para oito ou nove, parece-me claro que a evolução deste aluno merece ser valorizada - é mais importante que a de um aluno que se manteve no dezasseis, ou que passou de um dezasseis para um dezassete.

É evidente que o problema dos exames é o da sua cegueira. É o do que não podem ver nem ajuizar: o "sabe" ou "não sabe" que se traduz quantitativamente classifica só habilidades intelectuais e/ou de memorização. São elas importantes? É claro. São as únicas importantes? De modo nenhum, de modo nenhum. Por outro lado: «uma» prova será suficiente para demonstrar mesmo unicamente essas habilidades? De maneira nenhuma. Em «uma» prova, um exame, o aluno está nervoso, porventura mal dormido, preocupado e tenso. É irrelevante? Não é, não é...

É absolutamente certo, também, que um horizonte de exames transforma a escola numa gigantesca máquina de «preparação para exames». Com professores que evitam fazer aprofundamentos, ou ligações, ou relações, ou desvios - culturalmente interessantes, formativa e pedagogicamente fundamentais, mas irrelevantes do ponto de vista estrito da examinação final. Enterrei-me em «eduquês»? Os meus argumentos tresandam a isso? Talvez, mas, nesse caso, talvez tenha que ver com a parte mais saudável do eduquês.

Não desminto que sempre considerei Nuno Crato interessante. Mas temo que o ministro da educação seja menos interessante - e que se prepare para deitar fora vários bebés juntamente com a água do banho...

sábado, junho 11, 2011

DICAS

No telejornal de ontem, José Alberto de Carvalho, com um fato engelhado, que se adaptava mal à sua postura de quem pede desculpa, falou-nos acerca de um imigrante astucioso que, pelo Norte acima ou abaixo, foi visitando diversas caixas multibanco: tinha um sistema de «clonagem» de cartões, que lhe possibilitou arrecadar uma quantia razoável. (Suponho que o que o senhor fazia era ajustar aos "multibancos" um dispositivo que lia o código do último cartão utilizado, de forma a que pudesse usá-lo a seguir).

O jornalista rematava a notícia dizendo que ia dar aos telespectadores algumas «dicas» (sim, juraria que empregou este termo), algumas «dicas para...»

Abri os ouvidos.

«... ensinar o que nunca se deve fazer, por forma a evitar ser vítima de...»

Suspirei. Que pena. Por um momento, cheguei a pensar que nos ia fornecer umas «dicas» para podermos clonar cartões...

domingo, junho 05, 2011

SURPREENDER-ME

Esta noite tive um sonho que me pôs obviamente em face do não-eu que há em mim, a parcela de mim que não corresponde ao meu padrão e, por isso, me surpreende.

Alucinante: primeiramente, tratou-se de um sonho em que mantive sempre a consciência de estar a sonhar; mas habitualmente, nesses sonhos em que o sonhador sabe estar sonhando, tudo é vago e difuso, quase como se se estivesse a um passo de acordar, ou como se não se estivesse verdadeiramente a dormir. Aqui, não. Era tudo muito nítido e consistente; lembro-me de passear por aqueles corredores apreciando-os devidamente, como alguém que visita os cenários de um estúdio e vai comentando, de si para si: «Sim senhor, sim senhor, muito bem, isto é exactamente como a realidade...»

Estava talvez numa universidade. Um pouco antiga: poderia ter sido construída a partir de um mosteiro. Tectos altos, abobadados, espaços amplos, colunas, escadarias; «isto é fantástico; nem parece um sonho, muito bem feito, muito bem feito». [Não, não estou a plagiar o filme Origem, estou a narrar o meu sonho].

Em baixo, numa espécie de cave, havia uma venda de livros e uma exposição de bonecos. Eram bonecos pequenos, não me recordo se de louça. Penso que não. Dois estavam numa prateleira, um deles de óculos dourados, com algum brilho, o outro de óculos de massa, muito grossos. Não tinham mais do que um palmo de altura, os bonecos.

Tenho noção de que olhei para os livros, os folheei, e pensei: «isto está tão bem feito, é tudo tão consistente e constante, que, se tornar a olhar para os bonecos, os encontro exactamente iguais ao que eram a última vez que os vi, com as mesmas cores, no mesmo sítio...»; e olhei mesmo a tempo de ver que os óculos negros do segundo boneco tinham passado a óculos dourados. Ri-me, como perante uma surpresa e uma boa partida, tornei a desviar os olhos, pensando: «e passado este instante de alucinação, volto a olhar e os óculos negros regressaram...»

Em vez de óculos, negros ou dourados, o boneco tinha agora cravado no rosto uns círculos estranhos, como instrumentos de tortura. Cravados, disse bem: pareciam círculos munidos de dentes que se espetavam na carne, para os fixar. [Como solução para alguém que perdesse frequentemente os seus óculos...]. Tornei a desviar, com uma ligeira angústia - os óculos negros não vão voltar...?

E acordei.

sábado, junho 04, 2011

O ELOGIO DA MEDIOCRIDADE

Sou um tipo terrível. Sei-o perfeitamente. A minha visão sarcástica perturba um pouco; o meu prazer pela observação destrutiva e o meu gosto pelo ridículo raramente são bem-vindos. O sentido de humor que aprecio (e a que recorro implacavelmente) torna-me execrável. E delicioso.

Tentando divulgar, por todos os meios, o romance que escrevi, principiei a colaborar num blogue colectivo, que uma livraria disponibiliza aos autores que se auto-editam. Estou atento às reacções do público. Regresso continuamente ao computador, procuro na página do facebook, associada ao blogue, as reacções dos leitores; conto os «gosto». E é fantástico: um conto policial que tenho vindo a construir, episódio após episódio, e cujas personagens são animais, uma espécie de fábula negra, em suma, raramente consegue 5 ou 6 «gosto». A ideia é original, a fábula é culta: pisca o olho a Blacksad, ao detective Pepe Carvalho, que vai ensaiando receitas culinárias enquanto medita nos crimes, ao imortal Hercule Poirot. Tem humor, tem tensão, mistério. Inútil. 5 «gosto»; «6», na melhor das hipóteses.

Em contrapartida - desculpem-me a franqueza -, escreve no mesmo blogue um jovem, autor de certa saga nórdica, com deusas e deuses, cavalos e talismãs mitológicos. Ele faz desenhos: ora a deusa de que mais gosta, ora o guerreiro temível. A ideia é requentada, desculpem-me, desculpem-me, desculpem-me, mas, sobretudo, este jovem é um desesperante assassino da língua portuguesa. Um Odin cujo martelo se volta sobretudo contra a gramática. Custa ler, não tem interesse, é pesado, previsível - mas já o vi chegar aos 17 «gosto».

Ou então, o caso daquele senhor que se dedica ao que ele chama poesia. Sem sair do mesmo blogue. Ama, rima, associa a chuva ao choro. É paupérrimo. É de uma candura, de uma inocência, não tem talento, é verdade (não se pode ter tudo), mas tem tão boas intenções e uma sensibilidade quase divina (refiro-me à sensibilidade para o lugar comum). Talvez não tenha falado de paz, mas poderia. É o género. Pois não imaginam a catadupa de «gosto», os comentários que lhe garantem «lindo!» ou «que comovente», os :).

Entretanto, os meus episódios policiais prosseguem, entre as frases patéticas do poeta e a saga contra a língua portuguesa. Uma senhora escreve sobre uma menina e a grandeza do seu coração, e trás - dezenas de «gosto». Eu não tenho leitores, vá-se lá saber porquê. A ironia não pega, nem o sarcasmo, nem talvez a cultura. O lugar comum tem sempre leitores - satisfeitos consigo mesmos, prontos a premiar o medíocre. O raro não vinga.

É um post horroroso? Carregado de veneno e ressentimento? Eu sei. Eu sei. Eu sei. Era melhor não o ter escrito. Mas, já que o escrevi, por favor não o leiam.

terça-feira, maio 17, 2011

INSINUAÇÕES

Um plágio pressupõe, de algum modo, uma história secreta de paixão. Gosta-se tanto de uma música ou de uma ideia, que, afeiçoando-se a elas, um tipo se arrisca a reformulá-las. Inconscientemente. Plagiamos muitas vezes sem querer, sem nos apercebermos desse amor que nos move, dessa inconsciente tendência para repetir o que incorporámos. Influências que ressoam muito próximas, marcas, no que fazemos, que trazem um outro nome inscrito. Torna-se muito difícil determinar o que é ou não um plágio. O que ainda não é e o que já principiou a sê-lo. O que é repulsivo, isso sim, é o roubo: quando passo por meu um texto que sei que o não é. Quando copio e aponho o meu nome no trabalho de outrem..

Descubro, ultimamente, que «plágio» é também uma arma de arremesso. E das mais terríveis, porque insinuando, muitas vezes anonimamente - e quase sempre levianamente - deixamos estragos, minamos credibilidades, depositamos excremências no que é sério e límpido. Actua como um veneno lentíssimo: pode não matar, em todo o caso nunca mata rapidamente, mas influencia, perverte, subverte.

A blogosfera, percebi eu ultimamente, está toda inquinada por estas lutas. Entre leitores de blogues. Anónimos que passam no seu voo lesto, como pombos: deixam o cocó na lapela de um ser humano e desaparecem. (Mas regressarão, certamente). Fazem-no acerca de pessoas que respeito e admiro. E por quem poria as mãos no fogo: basta lê-las bem. O que me custa compreender, para além dos roubos (que nunca compreendi), é a acusação feita assim, de ânimo leve. O que me custa mesmo compreender é a consciência de uma pessoa assim: que alçapões, que caves, que tortuosos labirintos. Que invejas e que ressentimentos encobertos, e a coberto do anonimato.

sexta-feira, maio 06, 2011

SILÊNCIO

Protzka afirma não só que o silêncio é uma forma de comunicação (isso seria evidente), mas que é a principal forma de comunicação.
Pensa que, mesmo quando há palavras, o silêncio que subjaz às palavras diz mais do que as palavras: o silêncio pode desmentir o que se está a dizer - o silêncio que se refugia das palavras para se esconder numa expressão, num relancear de olhos pelo relógio, na geografia e na psicologia do lugar onde me sentei, no tremor das minhas mãos, na palidez do rosto.

Às vezes, não temos indícios sequer para ler o silêncio. Um mail a que não obtenho resposta, que significa? Talvez que o não tenham recebido. Ou que não houvesse - ainda - tempo para lhe prestar atenção. Ou indiferença? Desprezo?

Eu não sou só um leitor de segundos sentidos de frases. (Nisso, tornei-me imbatível). Sou também um excelente leitor de silêncios. Nunca deixo um silêncio por ler. Nunca vejo unicamente ausência e vazio, vejo a estupidez, a maldade (nos piores casos), o complexo de superioridade de quem se acha demasiado importante para dirigir a palavra aos insectos. A um insecto não vale, por vezes, a pena sequer perseguir com um jornal enrolado. Para quê? O silêncio trata dele.

[A não ser que se trate de um tipo particularmente estúpido de insectos incapazes de ler silêncios. Mas eu não sou desses. Suspeito até que já morri...]

domingo, abril 24, 2011

digestão

o menino gostava da areia da praia. era pequenino e tinha medo de se perder. não queria entrar na água nem verdadeiramente mover-se demasiado, porque a mãe lhe dissera que estava a fazer a digestão. e, portanto, observava. que mal podia fazer à digestão obervar, desde que os olhos não se agitassem de mais? era um mundo de meninas gordas em bikini, abanando a celulite; de homens que mostravam músculos descaídos; de barrigas flácidas, mergulhos que salpicavam, risos. era um mundo maravilhoso que, por vezes, se tornava assustador, quando (por exemplo) um grupo, perseguindo uma bola, se aproximava muito do seu espaço da digestão.

quando começou a temer as senhoras velhas que se sentaram a seu lado, conversando e esmagando-o, decidiu escavar um buraco na areia. o menino era pequenino, não tinha força. além disso, fazia a digestão. mas lentamente, lentamente, para fugir ao riso das duas velhas, foi escavando e refugiando-se no buraco: mas o buraco, estranhamente, grão de areia atrás de grão de areia, crescia, isto é, aprofundava-se. e no momento em que deixou de ouvir as vozes das mulheres, os gritos, as bolas batendo nas raquetes, as ondas, invadiu-o uma paz que nunca ouvira antes em sítio algum em nenhum momento.

a areia começava a estar húmida. agora não podia parar. olhou para cima e já não viu nada senão um buraquinho minúsculo, de longe. ali não o encontrariam. talvez nunca mais. mas não teve medo, pelo contrário. descobriu que o seu desejo secreto era precisamente esse. devia continuar: desde que não perturbasse o processo da digestão.

sábado, abril 23, 2011

a pergunta à TROIKA

Os observadores do fmi («a troika», como lhes chama a imprensa portuguesa, que adora estas palavras que se colam ao ouvido como pastilha elástica) acham que a tolerância de ponto dá mau aspecto. Os portugueses deviam arregaçar as mangas e atirar-se ao trabalho.

Os senhores estão instalados, entretanto, no hotel ritz. O que, aparentemente, não dá mau aspecto.

Mas eu tenho uma pergunta. É uma estúpida de uma besoura que me anda a azucrinar o ouvido:

Quem paga a vossa estada no hotel?!

quarta-feira, abril 20, 2011

GOVERNO NO BANCO DOS RÉUS

Os médicos podem ser processados por negligência. Podem não ter feito por mal, ou deliberadamente, que interessa isso ao homem que cegou ou à mulher que nunca mais poderá caminhar? Basta que se prove que o médico não fez tudo o que estava na sua mão para evitar o acidente. Lixa-se a vida a uma pessoa? Presta-se contas.
Mesmo um professor pode ser alvo de procedimento disciplinar. Os alunos queixam-se aos pais, os pais à direcção ou ao ministério. E até um juiz: já viram a ironia? A justiça poética? O juiz poderá ter de prestar contas por uma decisão que arruinou uma vida, se se prova que não foi isento ou imparcial.

Assim, de repente, e com excepção da de árbitro de futebol, a única profissão em que não se é julgado pelos erros que foram cometidos, é a de primeiro-ministro. Lixa-se um povo inteiro, milhares de mulheres e de homens, crianças, idosos, hipoetaca-se um país com séculos de história, e não tem de se responder criminalmente. Um primeiro-ministro e respectivos ministros dão-se ao luxo de destruir uma nação, e não têm de responder em tribunal.

Diz-se: serão julgados nas urnas. Pois!

sábado, abril 16, 2011

A VELHA ATACA DE NOVO

Tenho a velha de novo em casa, mais o seu crochê. Vemos e ouvimos, na televisão, que desta vez, nas comemorações do dia de portugal (as minúsculas são deliberadas: uma crise é uma crise) não haverá aviões nem carros militares. E eu, que, na verdade, nunca gostei de comemorações nem de aviões nem de carros militares, não resisto, contudo, a exclamar: «Ao que chegámos!» Ao que a velha, pousando o seu trabalho no colo, responde: «Agora é que era atacarem e invadirem a gente. Nem dinheiro temos para pôr gasolina nos tanques e na aviação!»

sexta-feira, abril 15, 2011

zangado com o facebook

Confesso que, efectivamente, não sou amigo pessoal de todas as pessoas que tenho convidado para serem «amigos» no facebook. Um amigo é um amigo. Já um «amigo» é um «amigo». Não os confundo. Obviamente, não desbarato pedidos de amizade. Verifico se as pessoas em causa têm «amigos» comuns - quantos e, já agora, quais. Parece-me bem. Como as minhas intenções não são más, considero-o um comportamento justificado. Já tinha reparado que, em certos convites, apanhava tampa - geralmente, pessoas que se consideram vips. Havia uma nota que me perguntava se estava absolutamente certo de os conhecer pessoalmente, e se não, por favor não insistisse, etc. Mas não liguei. Finalmente, recebo uma admoestação do próprio senhor facebook. Em pessoa. Já me viram isto? Ralha-me: que não posso estar a convidar quem não conheço; que bloqueará durante dois dias os meus pedidos de amizade; e, ao fim desses dois dias, que eu trate de ser prudente e de certificar-me de que conheço efectivamente quem convido. (Se não, temos o caldo entornado!) E ainda me pergunta se compreendo. A minha resposta ao senhor facebook é esta: Tem a certeza de me conhecer pessoalmente? Olhe que eu não o conheço de lado nenhum. Pois, em retaliação, não vou fazer pedidos de amizade: decido bloquear qualquer gesto para pedir amizade durante dois dias - os mesmos, de resto, durante os quais ele me bloqueia -, e vamos lá a ver se lhe serve de lição. Compreende? Para o que eu estava guardado.

O COCÓ

Considero no mínimo curioso que se refira o socialismo e o comunismo como sendo relíquias teóricas do passado, ideários delirantes e obsoletos. A questão é que essas teorias - por muito que tenham falhado na prática - representam a busca de uma alternativa a um sistema, esse sim, sem qualquer vestígio de ética ou solidariedade, injusto, cruel e ineficaz: rompe por muitos lados mas não cai, alimenta-se de crises que sugam e definham tudo e todos em redor - menos a minoria que enriquece - mas sobrevive-lhes, aplaina pelo nível mais baixo, e chama a essa igualdade sem aspirações «democracia». É um dinossauro tétrico, uma planta carnívora sem sequer graciosidade, é a invasão dos telemóveis, das pipocas e das coca-colas no cinema. É a falta de respeito. É o Obama, a Merkl, o Sócrates e o ex-marido de uma Doce. É - desculpem - esta merda! E ainda se atrevem a dizer, acerca do sonho da mudança: Isso é coisa do passado! Isso é caquético.

domingo, março 20, 2011

MEDIOCRIDADE

Dava eu aulas num liceu lá para os arredores de Sintra (liceu esse de que fiz, vagamente, personagem de um romance) e já o ministério insistia na necessidade de que se apresentassem planificações - de cada aula, de cada semana, cada período, do ano inteiro.

Sempre me incomodou, ainda que compreendesse, essa urgência de se mostrar trabalho. Ou fazer mostrar. E sempre o apresentei, aliás, com a pontualidade requerida. (E se no meu tempo de professor assim era já, contam-me que agora se tornou perfeitamente insuportável o afã de reduzir o mínimo passo a papéis, previsões, traçados de rumo...)

Mas, no meu caso, era um pró-forma. Eu não planifico, interiormente, senão da única maneira que consigo, que é fazendo trabalhar o meu caos pessoal. E não me digam que não há nisso qualquer método: é o único que me faz sentido.

O que eu fazia - e continuo fazendo, em outras áreas de actividade por onde hoje fluo - é, quando sei que terei de falar ou escrever sobre um determinado autor, ou tema, respirar e absorver, sem programa nem objectivo. Procuro ler coisas dele, ou sobre ele ou sobre o assunto, ou reler passagens de que me lembrava e sei que para aí me encaminhem; vou discutindo, vou ouvindo tudo o que me caia e me pareça tocar no ponto; vou pensando, num processo que é, em parte, consciente (visto que sei perfeitamente o que estou a acumular no espírito...), mas, também, até certo ponto inconsciente, uma vez que não domino todas as subtis e (mais significativas ou menos significativas) sinapses que se vão estabelecendo, as ligações que se vão experimentando. Uma «planificação» mataria à nascença este processo.

Há um momento mágico, que não posso prever nem antecipar, em que se solta uma faísca. Algo surge como um centro de gravidade, um elemento articulador, uma chave de agregação, um princípio condutor, uma espécie de código de fluência. Descubro que muitas das coisas sobre que me debruçara empenhadamente, desapareceram, entretanto: não cabiam no sistema que se montou; outras, a que dera importância, reduziam-se a uma pequena nota-de-rodapé. Em contrapartida, ideias que nem achei que tivessem que ver com o assunto e só quase por coincidência e acidente me iam ocupando na mesma altura, irrompiam, decisivas. Às vezes, uma dessas ideias paralelas era precisamente o enfoque que me faltava.

Planificação? Deus do céu! Isto é um processo criativo e imprevisível. Certas vezes a faísca surgia já tarde, na própria aula, no momento em que eu começava a falar. Ou acontecia ser um aluno que o desencadeava, ao fazer uma pergunta que sugava numa determinada direcção tudo o que eu tinha lido, e pensado, e estudado sem ainda saber muito bem como expor. E não me lembro de uma aula - uma única - em que este processo não tenha funcionado perfeitamente. Tive aulas melhores e aulas piores, aulas com incidentes dramáticos e acidentes felizes. Mas em nenhuma senti que algo pudesse ser melhor do que era «se eu tivesse planificado»!

Ou seja: da mesma maneira que a escola pede a todos os alunos exactamente o mesmo, estabelecendo uma norma e uma normalidade em que não cabem os talentos alternativos nem as capacidades singulares, também aos professores se impõe uma norma de trabalho e um método de «preparação de aulas». Com mais computadores ou menos computadores, com mais ou menos «agendas do professor», mais ou menos matrizes disto ou daquilo, o que a escola exige e impõe, a professores e alunos, sob o nome de uniformização, é a mera adaptação à mediocridade.

sábado, março 19, 2011

SENTIDOS OCULTOS

Sou um excelente leitor de segundos sentidos nas frases. Modestamente.
Por exemplo, dizem-me que no meu romance «há páginas» muitíssmo bem escritas, do melhor que se fez nos últimos anos em literatura portuguesa, e eu, neste aparente elogio, leio: «As outras páginas, infelizmente, é que são fracotas!»
A propósito de algumas ideias em que me aventurava, quando era professor dos liceus, disseram: «Ah, sim, lá nisso o Gil é uma verdadeira máquina de ideias». E eu prendi-me ao «lá nisso», que significa: «O pior é», uma vez mais, estão a ver o mecanismo?, «o pior é no resto, nisso ele safa-se!»
Dizem-me «acho que sim» e eu detecto a incerteza desta afirmação. A falta de convicção.
Dizem-me «deixa-me pensar», e eu entendo o tempo necessário para se embrulhar a verdade em palavras que me não firam de mais. E por aí fora...

Se eu fosse polícia, seria um sucesso. Daqueles capazes de apanhar os assassinos nas entrelinhas, nos «lá nisso», nos «acho que». Como o Lightman é bom a compreender expressões faciais, sou eu bom a apreender os lapsus linguae, os deslizes, as ironias, os sinais dados pelas palavras deslocadas, desajustadas, reveladoras.

O problema é que não sou polícia. E, nesse caso, torno-me simplesmente um neurótico. Um dos mais chatos, portanto.

sábado, março 12, 2011

GERAÇÃO À RASCA

Para quem não se lembrava bem, aí está a sucessão de provas em catadupa: o capitalismo é absolutamente infame.

E para quem tinha dúvidas, aí está, em catadupa, a sucessão de provas: o Partido Socialista é tudo menos um partido socialista.

sábado, março 05, 2011

AUTOCONFIANÇA HETEROCRÍTICA

Daisy, lá atrás, do seu banco, no carro, para mim, travestido de condutor:

«Eu sou realmente muito esperta. Sou sim. E sou esperta em tudo, pai, sou muito esperta em tudo. Tu também és esperto, pai, mas tu és esperto só em algumas coisas.»

PACHECO, JOSÉ E DUARTE, GIL

Sabemos muito bem a diferença entre um pseudónimo e um heterónimo.

Um pseudónimo é um nome artístico. Um nome alternativo. A mesma pessoa assina assim quando passa um cheque, e assado quando pinta um quadro. Pronto. Ponto.
Um heterónimo é outra pessoa. Não se confunde com o autor. É um autor ficcional a que o autor real passa o testemunho. É uma personagem fora da obra, que a obra implica mas a que não se refere.

«Gil Duarte» é um heterónimo porque algumas características suas não coincidem com as do senhor José Pacheco.
Em primeiro lugar, na idade. Não sinto que Gil Duarte possa ter mais do que 35 anos.
Por outro lado, se Gil Duarte tem filhos, como José Pacheco, é um pai desses filhos muito mais interessante e completo do que José Pacheco: para este, sobram as agruras, as tristezas, as frustrações, as zangas e os gritos, o desespero de se ser pai.

Gil Duarte é uma encarnação - não que JP tenha morrido, lagarto, lagarto, lagarto, mas no sentido de que em Gil se concentram [e encarnam] os «irrealizados»de José: Gil Duarte viajou certamente mais do que José Pacheco. Conhece, por exemplo, muito bem a Itália, que visita regularmente. Preserva,aliás, uma relação italiana - e, sobre isto, mais não digo.

Gil Duarte está longe da perfeição: se querem saber dos seus problemas, tentou suicidar-se duas vezes (embora haja quem diga que a primeira não passou de uma encenação, com o intuito de se tornar famoso); é um bipolar não diagnosticado e não assumido.

Há, abstraindo das incoincidências, outras coincidências, para além das referidas inicialmente, entre ele e José Pacheco? Mas sem dúvida. Ambos nasceram em Moçambique e ambos trouxeram Moçambique com eles. Para os dois, Moçambique, que é maior do que Portugal, tem cabido mal e com dificuldades no novo espaço. E, já agora, pormenor curioso: ambos são de Inhambane. (Por que não terei conseguido ficcionar o pormenor? Por que raio não poderia ser Gil Duarte da Itália?)

Profissionalmente, são mais diferentes do que se poderia imaginar. José Pacheco é um professor do ensino secundário. Gil Duarte deu aulas durante um certo período da sua vida (basta ver como muitos dos seus posts falam de «alunos»...), mas rompeu decidida e decisivamente com o ensino quando as sucessivas ministras de Sócrates iniciaram a liquidação de tudo o que respeite a «ensinar»; está, actualmente, na carreira diplomática. Como é muito jovem, não passou por postos importantes: é um cônsul menor, num país menor. Não se importa porque, mais do que tudo a que deite mão por razões de sobrevivência, Gil Duarte escreve.

José Pacheco também escreve. Mas um pouco pior do que Gil Duarte.

LIBERTAR DIONÍSIO

O que é politicamente correcto, oh minhas duas seguidoras e alguns leitores avulso, o que é politicamente correcto é dizer que se não gosta do carnaval. Que se odeia o carnaval. E as máscaras, e as brincadeiras idiotas, a indisciplina invadindo e corroendo, que nojo!

Esperando não perder, com isto, as minhas duas seguidoras e os leitores avulso, amo o carnaval. Amo a própria ideia da partida e do logro, amo a euforia e a permissividade que nos permitem recarregar baterias, amo a libertação do lado dionisíaco, amo poder mascarar-me e não ser reconhecido. E até penso que é delicioso que não dure mais do que os três míseros dias que dura - porque, se não, não se constituiria como o contraste que é: em relação às regras do dia-a-dia.

Mais do que isto tudo, considero o carnaval absolutamente essencial ao equilíbrio social. Sim: é o pontual e brevíssimo desequilíbrio indispensável ao equilíbrio da sociedade. E, para terminar: na minha perspectiva, foi o «caso carnaval» que deitou abaixo, há anos já, o governo do senhor doutor Aníbal Cavaco Silva.

quinta-feira, março 03, 2011

CRIMES DIVINOS

Cito, do relatório de um aluno:

«A nossa razão pergunta se há Deus porque precisa de imaginar um culpado de tudo o que existe».

Detenho-me naquele «culpado»; pergunto-lhe: «esta frase é para ser lida ironicamente?»
Não. Não entende sequer a pergunta. «Culpado», no seu vocabulário, significa simplesmente «causador», «o que deu origem a». Sem qualquer conotação negativa.
Que pena.

sábado, fevereiro 26, 2011

VASCULHANDO JORNAIS ANTIGOS

«Fernando Pessoa acusa Álvaro de Campos de Plágio.

«"Não há uma única linha do senhor engenheiro Álvaro de Campos", afirmou o poeta, editor e manga-de alpaca, entre dois copinhos, "que não tivesse sido inventada por mim."»

sexta-feira, fevereiro 18, 2011

O GUARDA-CHUVA NOVO

A minha amiga Zita ofereceu-me um guarda-chuva com um computador incorporado.
Bem. Não é verdade. Computador, computador talvez não tivesse. Mas quase: tão sofisticado, com um discreto botão para o suporte aumentar, outros botões para a armação abrir, à chuva, como certas flores abrem ao sol, etc.

O único problema reside em que eu sou uma espécie de troglodita. Não estou habituado à sofisticação. À porta do carro, não podendo entrar com o guarda-chuva aberto, tentando desesperadamente fechá-lo, não percebendo os botões, desafinando tudo, não me protegendo já com ele, mas não sendo capaz de o devolver ao seu estojo, apanhei, naqueles minutos terríveis, mais chuva do que em toda a minha vida - mais chuva, certamente, do que se estivesse sem guarda-chuva.

Não gostava de parecer ingrato. Zita, o guarda-chuva é muito bonito. Muito, muito bonito. Esteticamente, é das coisas mais interessantes que vi, ultimamente, no seu género...

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

DESCARTES: UMA DEMOSNTRAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DEUS

1. Duvido (de tudo, de seja o que for: existirão mesmo o chapéu que trago, a vela que vejo, o roupão que visto e sinto, ou poderá ser tudo uma ilusão?);
2. Duvidando, reconheço que de algo, pelo menos, não posso duvidar: de mim próprio, que duvido;
3. Portanto existo. Tal é indiscutível. (É o famoso «Penso, logo existo»);
4. Mas se a minha primeira certeza é uma dúvida, isso significa que sou imperfeito.
5. Ora: como sou capaz de reconhecer a minha imperfeição? Por comparação com uma ideia da perfeição.
6. Mas de onde provém a minha ideia de perfeição?
a) Não certamente do nada, porque do nada não provém coisa alguma.
b) Não se trata de uma ideia adquirida através dos sentidos: nunca tive a experiência de algo perfeito.
c) E também não pode ser uma ideia produzida por mim, que sou imperfeito: não seria capaz de gerar a ideia do que é melhor do que eu próprio.
7. Segue-se que a ideia de perfeito não pode senão ter sido criada pelo Ser Perfeito.
8. Possuo, pois, esta ideia, porque o Ser Perfeito ma imprimiu no espírito.
9. De onde se conclui que O Ser Perfeito existe: É Deus.

O que pergunto aos meus alunos, apresentando-lhes este raciocínio sob a forma aparente de uma demonstração inatacável, é se constitui, de facto, uma demonstração, ou um mero exercício de retórica.

E eles dizem-me: A partir do 4º ponto, não há praticamente um único ponto que não seja discutível. E, até, falacioso.

domingo, fevereiro 13, 2011

O LIXO

Vinham saindo da ópera.
Miró não a apreciara especialmente; a rapariga que tinha vindo de propósito dos Estados Unidos, precedida de uma fama que calava de antemão e de imediato todos os críticos, tinha grão na voz. «Não achaste, D'Annunzio?»
D'Annunzio, que fumava um cigarro, não parecia atento às suas palavras. As esposas riam-se, uns passos atrás, recordando um homem que não as largara, a noite inteira, do balcão, fixando-as, um binóculo de ópera em riste.
Aquela desatenção incomodou Miró.
«Não achaste que, para já, a mulher começa a envelhecer...? E depois, não era?, a voz, não reparaste...?»

Na noite escura, D'Annunzio encantara-se com outra coisa. Aproximou-se de um vulto.
«Chega aqui», disse ele a Miró.
Miró chegou-se. Era o caixote do lixo. Ao lado, um volume enorme, com pernas, talvez uma mesa, ou então...; Miró espremeu os olhos míopes contra a noite. Uma banheira? Antiga? Sim. Com pernas de leão.
«Anda cá», soprou D'Annunzio, excitadíssimo, descalçando as luvas brancas, pousando a cartola no chão. «Consegues? Pega aí desse lado. Se calhar. Força, força. Ó meninas, venham aqui dar uma ajuda».

Lou Salomé e Isadora Duncan vieram ver, rindo ainda muito. Dividiam a banheira por entre a força de todos.
«Mas para que queres tu isso?», perguntava-lhe Miró.
«Estás maluco?», irritou-se D'Annunzio. «Não fales, que ficas sem ar. Vá, vá, todos juntos. É linda, homem. É linda.»
«Aquele rapaz que vem ali talvez... humpf... nos possa ajudar... Olhe lá. Eh, chegue aqui!»
O rapaz, porém, escapuliu.
«Deve ter-se assustado com o nosso aspecto».
«Pois é, pois é. O certo é que amanhã de manhã vou tomar o banho de imersão mais maravilhoso de toda a minha vida. Vamos, força. Conjugados, um dois, três»

segunda-feira, janeiro 31, 2011

aforismos kaosticos

Apaixonamo-nos sempre por uma parte da pessoa.
A tragédia, depois, é ter de conviver todos os dias com a pessoa toda.

[E não falo de mim: refiro-me a personagens minhas].

domingo, janeiro 23, 2011

SOLIDARIEDADE E OUTRAS FANTASIAS

Hoje, almoçando com Dudú e Daisy no infame OP, tive o privilégio de ouvir o puto recordar uma história que eu lhe contava na infância, ou na adolescência, com pormenores da sua reacção (e da minha reacção à sua reacção) de que me tinha esquecido por completo.

Era uma série de aventuras. Chamava-se Os Moranguinhos. E as personagens, ou seja, «os moranguinhos», eram o próprio Dudú e alguns amigos da altura (o Francisco Quico, o Pedro Loureiro, o Tomás, de que me recorde...), os quais enfrentavam malvados do piorio, conseguindo vencê-los de uma forma gloriosa.

Mas numa dada época, relembra-me o Dudú, ele principiava a achar o dinheiro muito importante. Devíamos andar a chamar-lhe a atenção para que as coisas que ele queria eram caras, os pais não eram ricos, o consumismo é mau. Devíamos andar a contê-lo na sua fúria gastadora, no seu Compra, compra, compra. E - continuou o miúdo -, numa certa história, os fulanos malvados teriam colocado uma bomba algures no ventre de um centro comercial. Ora os especialistas da polícia, aflitos, não sabiam se haviam de cortar o fio amarelo ou o fio vermelho. [A pergunta não é: Onde é que eu já vi isto?; mas: Onde raio é que ainda não vi isto?]. E, em desespero de causa, telefonaram para os moranguinhos, perguntando-lhes que fio deviam cortar. Lembra-me Dudú que, na ocasião, me interrompeu, para dizer: «Eu acho que os moranguinhos deviam propôr isto: só damos a resposta se vocês nos pagarem um milhão de escudos!»

Dudú contou da minha indignação, da minha fúria, das minhas explicações de cariz pedagógico e moral, «Então estão pessoas na iminência de uma tragédia, poderia morrer muita gente, e os heróicos moranguinhos só ajudavam se lhes pagassem?!»

Rimos muito os dois, a recordar. Não quero parecer cínico (e, juro, não lhe disse hoje uma palavra politicamente incorrecta). Mas na altura do passado em que lhe pespeguei a lição de moral, estava longe de imaginar o rumo que a crise tomaria, e o tipo de país em que acabaríamos, com o próprio governo tentando resolver o problema à custa de um roubo descarado aos funcionários públicos. Agora, neste mundo do salve-se quem puder, sem valores nem princípios, em que Fernando Nobre troca o papel de herói generoso pelo de candidato foleiro à presidência, teria de pensar várias vezes antes de decidir o que os moranguinhos deveriam realmente fazer. Hum! Desculpem, não torno! Pronto. Já me calei, já me calei!

quarta-feira, janeiro 19, 2011

E ALGUMAS, ATÉ AO CUBO...

Algumas pessoas - e eu em primeiro lugar, mas conheço algumas mais - deviam treinar a sua faculdade de pensar ao quadrado. Ou seja: pensar duas vezes duas antes de falar.

terça-feira, janeiro 18, 2011

QUEM TE MANDOU A TI, SAPATEIRO, TOCAR RABECÃO?

Lembram-se das Leis de Murphy?
Uma delas determinava que, quando alguém é competente em determinada função, o pior que se pode fazer é promover o sujeito, esperando-se que ele seja igualmente competente em novas funções, responsabilidades, exigências.

As Leis de Murphy são máximas: pega-se numa observação corriqueira, geralmente enervante (como esta, que tenho verificado: quando precisamos de uma farmácia de serviço, a farmácia de serviço não é, provavelmente, a farmácia que está mais próxima de si) e enuncia-se esse precalço como sendo uma lei, com um carácter científico. O efeito é, naturalmente, cómico.

Fernando Nobre, todavia, é uma ilustração da lei que eu enunciava nos parágrafos iniciais. Há, portanto, um homem que prova tudo o que tinha de provar no campo da solidariedade. Corre riscos, partindo, como médico, para países inóspitos e corruptos. Vê miséria e sofre. Minora-a como pode. A sua competência como médico e como herói é absolutamente inquestionável.

O que o faria pensar que os portugueses precisam dele como Presidente? O que o convence de que será um bom Presidente, com a sua voz baça, sem chama, o seu olhar mortiço e - perdoem-me - a sua absoluta falta de preparação política ou a sua confrangedora ausência de ideias? Ouvi-lo entre o «povo» é penoso: este herói também recorre a slogans e a falácias, também vomita frases feitas. Também elabora propaganda, também se deixa vender como um detergente.

Ouvi-lo argumentar, em debates, imbuído da sua superioridade moral - como se o facto de ter visto um menino a correr atrás do grão que uma galinha transportava no bico, para lho roubar e matar a fome, lhe conferisse uma aura indispensável a um Presidente -, é confrangedor. Não sei quem o convenceu de que é indispensável ao país. Sei que, diacho, custa sempre perceber em que se pode transformar, num certo universo, quem estava tão bem, e fazendo tanto, num universo paralelo.

domingo, janeiro 16, 2011

ideias minúsculas em letra minúscula

sempre admirei fernando pessoa por se ter tornado um editor capaz de perder dinheiro na publicação das coisas em que acreditava; como editor do meu próprio livro, tenho finalmente a possibilidade de perder dinheiro - que já comecei perdendo, aliás - por uma coisa em que creio.


há uma inteligência das atracções e das repulsas. falava na televisão um certo político pelo qual tenho uma autêntica aversão; mas, num primeiro momento, confundi-o com um outro que me é simpático. contudo, o que sentia era, olhando para ele, uma vaga e inexplicável repulsa. apesar do erro das minhas faculdades de reconhecimento, o instinto que fareja o desprezível raramente se deixa enganar.

num sonho que tive uma destas noites, o meu livro era lançado perante um grupo de idosos, babando-se e desentendendo-me, arrastando garrafas de oxigénio e assoando-se ruidosamente. e não, não foi propriamente um pesadelo: nesse sonho, fazia sentido que me tratassem de «jovem autor».


sexta-feira, janeiro 07, 2011

AS NÓDOAS

Olho amigo detectou e mão amiga (articulada com o olho) apontou uma nódoa que eu tinha na camisola.
Num dia particularmente atarefado e confuso, em que as 24 horas teriam de ser espartilhadas por uma série de actividades urgentes, consegui encontrar, mesmo assim, um grãozinho de tempo para passar por casa e mudar de camisola.
Vesti uma outra, aliás muito mais bonita, que me agrada e conforta.
Depois fui a um Mac. Comprei um hamburger e uma bebida, que levei, num cartucho de papel, para o automóvel, estacionado no parque. E no carro comi, ouvindo música: e no carro fiz, na nova camisola, uma outra nódoa.
Em síntese: posso dizer que tinha ido a casa trocar de nódoa.

segunda-feira, janeiro 03, 2011

FRASES QUE MARCARAM A MINHA PASSAGEM DE ANO

C - «Há um tipo particular de dislexia, que consiste em não ser capaz de ler correctamente as expressões do rosto nos outros. Aliás, cada vez mais me parece que sofro disso.»

T- «O pior com a tensão, não é quando está alta nem quando está baixa; nem quando a medida máxima está demasiado próxima da mínima. O pior é quando a mínima é superior à máxima. Isso nem se detecta, porque tendemos a pensar que a mínima é a máxima.»

C [que estava inspirada] - «Ela põe-se sempre a si mesma no centro de tudo. Eu ponho-me sempre nos lados...»

M - «Já nos despedimos, não foi? Podíamos ir embora, se não a despedida começa a esfriar.»

sábado, janeiro 01, 2011

Bad Boy MC Crazy Mother Fucker! Ricardo Araújo Pereira! G.F.

Há vários anos - não posso precisar há quantos, mas ainda se não falava dos Gato Fedorento -, assisti a esta intervenção de Bad Boy MC Crazy Mother Fucker. E esse foi o instante, o exacto instante, em que me apaixonei por Ricardo Araújo Pereira.

paradoxos kaósticos

Que poderia ser tão terrível como um comediante neurótico cuja neurose consistisse em enervar-se com gargalhadas?