Era Mrs. Turtle, que se refugiara na cozinha assim que vira e ouvira falar acerca do gato, mas agora, ciente de que Zorbas Castorpopoulos se tinha ido embora, desatava a gritar enormidades, alimentando-se da sua indignação, sentindo-se cada vez mais furiosa por efeito das suas próprias palavras, ou melhor, dos seus gritos:
- Não há direito! Gente com fome! Gente à míngua! E o biltre mais rico, se calhar do mundo, deixa tudo ao gato! Ao gato! Maldito gato! Gato do inferno! Espírito das trevas! Que eu nem o veja à frente! Estou capaz de o comer! Danação! Aaaaaah!
Lady Gloria, partindo cristais pelo caminho, apressara-se a dirigir-se-lhe com o fito de a acalmar, mas todas as tentativas pareciam vãs.
O Engenheiro, aproveitando a oportunidade de carregar, contra ela, a sua antipatia e a sua secura, repreendia-a com toda a severidade (e, vá lá, alguma má educação):
- Que diabo, mulher! Tenha juízo! Tenha modos! Isto não é um barraco! Comporte-se!
Mrs. Turtle, ou não ouvia (por não se ouvir senão a si mesma), ou fingia não escutar, ou estava mesmo para além da possibilidade de se controlar. Num reacção de pura cólera, lançou o seu punho fechado contra o nariz de Lady Gloria, que, além de ser uma mulher frágil, não esperava o ataque, de modo que tombou para trás, batendo com as nádegas no chão.
Foi, contudo, remédio eficaz, tão eficaz como um par de bofetadas para solucionar uma crise de histeria: imediatamente arrependida, Mrs. Turtle calou-se; levou as mãos à boca. Ela mesmo acorreu em primeiro lugar em socorro de Lady Gloria, chorando, pedindo perdão.
O Engenheiro estava furioso, provavelmente furioso consigo por não ter aproveitado o excelente pretexto da crise histérica para esbofetear a, pensava ele, «horrorosa mulherzinha». Fora, de facto, uma chance perdida. Agora, já não seria, talvez, possível bater-lhe, porque o ponto é que, entretanto, Mrs. Turtle iniciara um autêntico espectáculo de tosse e de falta de ar...
Que, pobre senhora, nem teve tempo para desenvolver devidamente.
Eram vinte e três horas e cinquenta e um minutos, quando o segundo escândalo da noite teve lugar.
E que escândalo: desta feita, era a prima. Melody, a santa. Bem! Melody, com efeito, ali, naquele momento, não parecia nenhuma santa. Garanto-vos.
(CONTINUA)
sexta-feira, janeiro 04, 2008
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