quarta-feira, janeiro 23, 2008

A SEITA - VII

CAPÍTULO VINTINOVE.

Eis, pois, o agente infiltrado, quer dizer, a Mamã.
Bota segue-a, coxeando por causa do maldito joelho, que tanto tem sofrido nos últimos tempos.
- Não vêm? -, pergunta a Afrodite, por quem, aliás inevitavelmente, já se está apaixonando.
- Não - sopra-lhe a voz mais doce de todas. - Não te preocupes, vai com a Mamã, ela leva-te ao miudo. Nós ficamos a defender a entrada. (Vários deuses, sequazes de Javé, se aproximam de diversos pontos ao mesmo tempo. O próprio Javé vem chegando, imponente na sua zanga, respirando com força, em busca de Jesus, seu filho e parte de Si).

CAPÍTULO TRINTA.

Bota segue a Mamã.
- Ouvi dizer que o garoto desapareceu - segreda-lhe, nervoso, impressionado pelos descomunais corpo, peso e punhos da mulher.
- Não desapareceu -, responde ela, penetrando com Vicentino Bota numa divisão em madeira. - O que se passa é que ele...
- Morreu?!
- Não. Metamorfoseou-se. Ei-lo. Ou o que resta dele...

Na divisão, talvez o celeiro, diante do rosto estupefacto do bêbedo, um som baixo mas permanente, irritante, sem pausas, e um perfume: ah, maldita vulcanyte.

Atenção, as minhas antenas captam um pensamento, deixem-me prestar atenção, sim, sim, sim, é certo, capto um pensamento no ar: é o pensar do próprio sonorfume, o pensar daquele som mais aquele odor; tentarei acompanhá-lo, agarrá-lo, reproduzi-lo...

CAPÍTULO TRINTIUM.

É como se segue:

«Sentia-me mal. Mal. Mal. Tinha medo de ter sido envenenado. O Papá disse-me "Não te preocupes, isto não te fará mal, não actua sobre humanos, só sobre deuses", "Que faz nos deuses?", perguntei eu, "Transforma-os em sonorfumes", explicou-me ele, e eu ia responder-lhe e já não podia, porque já não tinha boca, nem cordas vocais, nem nariz nem coisa alguma, só este cheiro que pairava e este zumbido, como se eu fosse um mosquito, porra, como se eu fosse uma melga, que coisa horrorosa!, ser constantemente acompanhado por um ruído, ser eu mesmo esse um ruído, mas então sou um deus, então sou um deus, afinal também eu era um deus e não o sabia, devo ter sabido e esquecido, relembro agora, vagarosamente, ou descubro agora, pois, eu sou Jesus, verti, há milénios, muito do meu sangue pela humanidade, mas tenho tanto, por isso tanto era o meu sangue e podia até escrever textos a sangue, e agora não tenho sangue nem corpo, agora...»

CAPÍTULO TRINTIDOIS.

- Mas se ele se transformou num sonorfume, não poderei transportá-lo -, queixou-se Bota.
- Ele acompanhar-te-á. Não tens como transportá-lo, mas ele poderá acompanhar-te. Vão. Receio que a derradeira batalha esteja a principiar lá fora. Javé procura Seu filho.
- Mas já não há vulcanyte; este jovem era o recipiente da vulcanyte, e neste momento a vulcanyte já não existe. Aliás, não quero saber. Se este é o fim do mundo, deixo-me ficar já aqui. Troco toda a vulcanyte por uma última garrafa de whisky. Não quero mais nada. Estou preparado para morrer! Um whisky e Afrodite! Que se lixe o resto...!

Sem comentários: