CAPÍTULO DEZASSETE.
De regresso à incrível conversa entre Mefisto e Bota.
CAPÍTULO DEZOITO.
Mefisto estava ante a hercúlea tarefa de, primeiramente, convencer o senhor Bota de se encontrar dialogando com um deus, um deus cujo espírito revoltado e rebelde levara a que os homens o olhassem como sendo uma força maligna, um demónio, um diabo. Essa parte da conversa entre os dois, que não vale a pena reproduzir na íntegra, ficou, contudo, marcada por este apontamento metafísico:
- Não há deuses, meu senhor. Há Deus -, garantia Bota a Mefisto. - E Deus é perfeito; e a perfeição é única, não pode haver diversas perfeições. Lembro-me de ter estudado, enfim, me terem falado, no liceu, de um filósofo que...
- Descartes, sim -, retrucou Mefisto, muito sereno, seguro de si. - Tenho conversado ultimamente com ele. Estava enganado, é claro. Aliás, é no inferno que procuro por ele... porque Javé também não lhe apreciou nem perdoou a sua demonstração da existência de Deus, porque era uma «demonstração» e, portanto, prescindia da fé!
CAPÍTULO DEZANOVE.
Importa que, para convencer definitivamente Vicentino Bota de que não estava em delírio tremente, Mefisto passou da conversa aos actos. Conduziu o detective à janela e fê-lo observar a Besta do Apocalipse, a qual, sob a janela, fumegando calmamente, esperava que a questão se resolvesse. «Dez chifres e sete cabeças. Em cima dos chifres, dez coroas. Como uma pantera com patas de urso e boca de leão».
- Estou bêbedo, é o que é -, ainda procurava Bota, deste modo, negar as evidências. - Eu cá, quando estou bêbedo, vejo tudo; ele é monstros, ele é... mas espera!
Uma das sete cabeças elevara-se como um guindaste, penetrara pela janela aberta, colara o seu rosto fétido ao nariz de Bota. O bêbedo desmaiou.
- Caramba, 666. Assim, fazes-me perder tempo! -, admoestou Mefisto.
CAPÍTULO VINTE.
A missão de que os deuses queriam incumbir Vicentino Bota, era simples: em poucas palavras vo-la exponho.
Vulcano, durante milénios de sábia e aturada investigação, deixando de parte o tosco trabalhinho de forjar espadas ou escudos, tornando-se mais sofisticado, para agradar a sua arredia e infiel esposa, fazendo-se mais cientista do que ferreiro, conseguira, por fim, descobrir uma fórmula secreta e sagrada.
Aplicara-a de modo a produzir a única (que se saiba) substância capaz de vencer os deuses. Não de os matar, é claro: os deuses são eternos. Mas, sendo puro espírito, o seu corpo, esse, poderá/poderia, quem sabe?, sofrer alguma forma de derrota: e por muito superior que se mostre o invólucro físico que os deuses vestem, ou que os reveste - e basta olhar Afrodite para se entender a que superioridade me refiro -, o certo é que o corpo divino é vulnerável. Lançado contra um deus, a «vulcanyte», substância sagrada e secreta, a obra-prima de Vulcano (Hefestes, em grego), não o dissolve fisicamente, mas metamorfoseia-o. De que metamorfose se trata?! Bom: o deus metamorfoseia-se em Sonorfume.
CAPÍTULO VINTIUM.
Acordado pela água fria de um copo, Bota está confuso com esta história. Compreende - tal como os leitores neste momento talvez, ou tal como eu próprio... - algumas coisas de tudo isto, não compreende outras tantas e não sabe em que crer. Pergunta: «Só fumo?». Mefisto corrige: «Sonorfume», o que, de resto, é inútil porque, daqui em diante, Bota referir-se-á sempre aos Sonorfumes como «só fumos». O que, pensando bem, faz algum sentido: um sonorfume não é fumo, não, mas é um som e um cheiro, um som e um odor, um som e um perfume. Sem substância: pura energia sonora e olfactiva autoemitindo-se. (Daí que eu não possa descrevê-los como um som «com» um perfume, nem como um perfume «com» um som, porque nenhum deles é o substracto do outro, mas apenas energia realizando-se nestas duas facetas). Eis ao que a poderosa arma de Vulcano pode reduzir um deus...
sábado, janeiro 19, 2008
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