sexta-feira, janeiro 11, 2008

CRIME NA PASSAGEM DE ANO (VII)

OS APONTAMENTOS DE VIRGINIA TURTLE

«OBSERVAÇÕES & INTERROGAÇÕES»

«Charlie entrou com uma chave. Lady Gloria abraçou-se a ele e pô-lo a par dos acontecimentos. Charlie, como se esperaria, quis ver o corpo do pai. Debruçou-se sobre o cadáver e fez adequadamente o seu teatro. Estarei a ser mazinha?

«Melody parecia tola. No primeiro momento tinha-se levantado, como se assustada, e chegara a esconder-se atrás de uma cadeira. Mas, depois, veio consolar Charlie, o choroso Charlie, afagando-lhe ternamente o cabelo. É doida, é claro, mas isso explica tudo? Afinal, o que aconteceu lá em cima? Tenho tantas perguntas. Será que sou capaz de fazer as perguntas certas, sem dizer de mais, sem dizer de menos? Sem espantar a caça? Hum!

«Inquirido por mim (omo quem não quer a coisa) sobre se, então, sempre tornara a encontrar a chave que se queixara de ter perdido, e sobre por que voltara tão cedo, e sem a mulher, Charlie explicou-nos, não sei se convincentemente, que:

«a) Não tinha realmente chave da casa dos pais. Perdera-a na véspera do dia do ano novo, de visita a casa de um vizinho. Que vizinho? Há poucos vizinhos por aqui. (A chave que trazia, segundo me disse, era de Björk. Mas por que raio haveria a sueca de ter uma chave da casa dos sogros? Bem, suponho que isso poderá ser confirmado...)
b) Veio mais cedo da festa sueca, porque não conhecia praticamente ninguém e... só se falava em sueco. Está bem visto. Cansou-se, teve, em bom inglês, uma monumental discussão com a esposa, que se recusou a sair, e deixou-a, aliás, ao que parece, muito divertida e meio bêbeda.

«No fundo, pensando bem, Charlie é francamente suspeito, mas não é o único.
Devo dizer que a mais suspeita de todos, de resto, sou eu. Tenho quase pena de me ter desperdiçado como presumível culpada. Eu sei que não fui eu.
Também sei que não foi Mr. Arbuckle. Coitado! Posso eliminá-lo descansadamente. Eliminá-lo?! Cala-te boca, que palavra horrorosa, nesta situação. (Também posso «eliminar» Mrs. Arbuckle. Uma mãe é uma mãe. Conheço-a bem. Embora...!)

«Mr. Castorpopoulos chegou, antes da polícia, às duas horas da manhã. Janota, sem um vinco fora do lugar, os sapatos brilhando muito, como se não tivesse estado a divertir-se, e a beber, e a soprar gaitinhas...! Cristo! Não se imagina o estado em que ficou quando confrontado com o desaparecimento do gato. Dir-se-ia que o sumiço do bichano o perturbou muito mais do que a morte do Engenheiro. O homem é mesmo grego! Que intuição para a tragédia! Que talento! As mãos abertas, como se se preparasse para voar...! A voz rouca...! Estou a ser mazinha, não consigo controlar este meu ódio contra um homem que deixa toda a sua fortuna ao gato!

«Charlie e John iniciaram, mais tarde, uma discussão sem tréguas. Ambos pareciam culpar-se de qualquer coisa. John estava muito nervoso, pensa que Charlie lhe violou a irmã, fez desaparecer o gato, matou o pai. Não o diz, mas insinua! E John? Que sei eu dele, a não ser que era amicíssimo do Engenheiro? Mas não havia um rumor de ambos terem estado apaixonados por Mrs. Emily? E de não terem falado durante anos, logo após o casamento do Engenheiro com a esposa...?
Melody interpõe-se. Não compreendo esta rapariga. Ela e Charlie estão, agora, a olhar-se de olhos nos olhos, muito intensamente, como se... como se... não gosto disto, não gosto disto!

«A polícia chegou quase às três da manhã, com um médico calvo e macilento que anunciou, com o ar de quem descobria a pólvora: «Está morto!»

«O detective, um senhor de bigode ruivo e chapéu de coco, desconfia de mim. Percebe-se imediatamente! Desvaloriza o pormenor da chave de Charlie. Desvaloriza outros pormenores para que eu lhe chamei discreta e delicadamente a atenção.

«E Emily dava-se bem com o esposo? Não, não dava. Ainda estaria apaixonada por John? Quem sabe?! Mas seria capaz de assassinar o Eng.? Mandar alguém, em desespero... não digo que não. (Estou a ser mazinha?). O Engenheiro era intragável. Tenho de ser sincera. (Virginia, Virginia, és tão mazinha!)

«Eu tenho uma teoria. Mas precisava de fazer as perguntas certas. Sem afugentar a presa. Serei capaz?

«Olha, olha, olha, olha! Charlie e Melody não estão cá. Lá em cima?!

«Hum...!»

(CONTINUA)

1 comentário:

zorbas disse...

Conheço esse médico calvo e macilento. Sei que acrescentou na certidão de óbito: Causa da morte -Uma facada no coração! Homem extremamente competente e atento. Os nossos hospitais estão cheios destes especialistas na morte!