Na verdade, tanto quanto se consiga adivinhar o que se passa no espírito de cada um, não me parece que o inspector tivesse a mínima intenção de inculpar Mrs. Turtle do crime; achava-a perspicaz, gostava de a ouvir, até porque se sentia totalmente desnorteado em relação àquele caso: haviam chegado, entretanto, outros polícias; o corpo não poderia ficar eternamente naquele lugar, de modo que, concluído o trabalho dos fotógrafos e de um indivíduo extremamente baixo, cuja especialidade se resumia a desenhar, no chão, a giz, a posição de cadáveres, transportaram os, se me é permitido exprimir-me assim, restos mortais da vítima para a morgue.
Mas Mrs. Turtle não entendia aquela insistência do inspector junto da sua pessoa, e não lhe agradava que este tentasse definir qual era realmente o sentido da presença dela no seio da família. De forma que, por volta do meio dia, quando o viu aproximar-se pela décima primeira vez, tomou uma decisão e principiou a falar. Primeiro a medo, pondo e tirando uns óculos de aros fininhos, mordiscando uma das hastes, depois mais confiantemente, à medida que via que - e como - as suas palavras magnetizavam a pequena assembleia.
Tinha uma teoria sobre tudo o que se passara, disse. E acrescentou que o culpado fora Charles Arbuckle. Assim mesmo, sem mais. Houve pequenos gritos, formou-se um círculo, arrastaram-se cadeiras. Charles estava estarrecido...
- ... Ele é culpado -, prosseguiu a velha senhora - de um amor proibido e censurado, não sei se censurável, mas censurado por todos quantos sabiam. Não tenho a menor dúvida de que Charles esteve cá naquela noite.
- Alto lá, alto lá! - redarguiu o acusado.
- Não tenho dúvidas nenhumas. Em primeiro lugar, é verdade que Charlie tinha perdido a chave, mas já vimos que isso não constituía qualquer problema. Usou a de Bjork. Que haveria de mais simples? Em segundo lugar, não vejo razão para desconfiar do que Melody nos contou. Tinham certamente combinado encontrar-se os dois, aqui em casa, antes da meia noite, o que explica por que razão Charles não fez nada para não ir à festa sueca onde, obviamente, não tinha sombra de interesse em estar. Foi simplesmente um pretexto para se separar de Bjork: levou-a lá, bebeu um ou dois copos, zangou-se, fez alarido, voltou. Finalmente, também é visível que houve uma grande confusão lá para cima, no primeiro andar. Fui investigar com muita atenção. Parece que houve uma batalha campal! Charles e Melody encontraram-se, mas deviam ter ideias muito diferentes sobre o que iriam fazer. Ele deve ter tentado beijá-la, ou despi-la, sei lá!, e ela não queria, ou não achava que fosse o momento, ou os espíritos que a acompanham sempre se indignaram e assanharam. Peço desculpa da minha crueza, Melody. Desculpe-me, Lady Gloria, bem vejo que a choco. Há traços de luta, há vestígios, a seguir, das fugas - de uma e de outro, cada um para seu lado...
Fez-se um silêncio. Todos tinham os olhos lançados sobre Charles.
Mrs. Turtle percebeu que começara bem. O inspector queria perguntar-lhe algo, mas desistiu. Calou-se. Esperou pela continuação, que não se fez tardar.
- Mas é preciso não nos esquecermos de que se deram três acontecimentos diferentes nessa noite. Melody teve um encontro que se tornou num desencontro; o gato desapareceu; o Engenheiro morreu. Foi assassinado.
Lady Gloria soltou uma exclamação abafada.
- Foi Charles que fez tudo isto? Não creio. O gato é outra história. O gato foi raptado por...
Estavam em suspenso.
Mr. Castorpopulos não cabia em si de curiosidade.
(CONTINUA)
segunda-feira, janeiro 14, 2008
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