quinta-feira, janeiro 17, 2008

A SEITA - II

CAPÍTULO SEIS.

No instante preciso em que o inominado - digamos assim, enquanto não soubermos mais acerca dele - escrevia, com o próprio sangue, sobre uma camisola branca, o Bêbedo recebia, longe dali, a visita do Diabo.

CAPÍTULO SETE.

Peço desculpa por tratar alguém por «o Bêbedo». Talvez vos pareça cruel. Mas, em primeiro lugar, se disser que o seu verdadeiro nome é Vicentino Bota («Bota», não «Mota»), hão-de concordar que talvez até ele prefira que se lhe chame Bêbedo.
Em segundo lugar, não sei que outro nome poderia dar a este indivíduo, que fez um pouco de tudo, desde jogar futebol (o que lhe ofendeu um joelho), ou vender produtos lácteos, até escrever para um jornal desportivo; foi também mecânico; dedicou-se à fotografia. Não é, naturalmente, por nenhuma destas razões que se lhe chama bêbedo, mas porque a sua vida, de poiso em poiso (despoisando mais do que poisando), mercê do uísque Johnnie Walker (com cinco pedras de gelo, nem mais uma, nem uma menos), entrou muito rapidamente num plano descendente: e numa degradação tal que, aos quarenta e cinco anos de idade ensaiava o ardil ingénuo e absurdo de convencer os filhos a colocá-lo num Lar de Terceira Idade, onde seria alimentado e não teria de trabalhar. Como os filhos não estivessem para o aturar, o Bêbedo diz, hoje, que é detective particular, e vive de expedientes. Encontramo-lo aqui a dormir, cabeça tombada sobre a secretária. Dificilmente poderia ser pior! Mas não se deixem enganar porque, roncando alto, com uma garrafa meio vazia perto da mão, esta réstea de humanidade está prestes a tornar-se num dos heróis da história. E da História!

CAPÍTULO OITO.

Não errei. Foi visitado pelo demónio, que não é senão um dos deuses que se preparam para combater Deus e seus sequazes.

CAPÍTULO NOVE.

Este demónio, concretamente, é Mefistófeles. Não surgiu do nada, rodeado de enxofre, mas, de um modo perfeitamente urbano, batendo à porta. (O que, aliás, provocou a indignação do Bêbedo, ou, se preferirem, do senhor Bota que, sob a tremenda ressaca, se mostra demasiado sensível ao ruído).
Mefistófeles vem da parte dos deuses. Tem uma necessidade. E um plano para suprir tal necessidade. E, portanto, um negócio para propor ao senhor Bota. Ou não estaria ali.

3 comentários:

Unknown disse...

Põe-se-me uma questão meramente prática...escrever com sangue tamanha quantidade de texto numa camisola. Seria uma camisola de seda, decerto. A diante, que a história está gira.

Gil Duarte disse...

Verás, se a leres até ao fim, que entretanto se dará uma explicação muito simples para tamanha abundância de sangue.
Provisoriamente, podes imaginar que:
a)o texto não é tão grande como aqui aparece. Na verdade, os capítulos, por exemplo (CAPÍTULO UM, CAPÍTULO DOIS, etc.) não figuram no texto original da camisola, são acrescentos do bloguista

b)e o texto não está escrito com tantas palavras, tive de o descodificar e aprimorar; vê-o antes como um conjunto de sinais rápidos, quase uma escrita estenográfica.

Gil Duarte disse...

Mas, já agora: numa história em que o autor está em permanente estado de delírio, a abundância de sangue de uma personagem, que o utiliza para escrever um texto sobre uma camisola, parece-te mais fantástico do que o diabo ir contratar os serviços de um detective bêbedo?????????!